
Solange,
Só me pergunto onde páras tu. E mais ainda, onde paro eu. Onde paramos as duas, as inocentes vilãs, as malditas. Nunca mais consegui sentir o cheiro das tuas luvas, da tua bata, das tuas meias ou dos teus dentes. Nunca mais consegui sequer fechar os olhos e imaginar-me com a minha cabeça no teu colo. Lembras-te? Nessa altura éramos felizes. Eramos ambas submissas, éramos ambas felizes, apesar do amor ódio que todos os dias pairava por ali, por aquele quarto, enquanto fazíamos as camas ou esfregávamos o chão.
Hoje, levo comigo aquelas luvas brancas. Hoje consigo sentir aqueles brincos nas minhas orelhas, e aquelas peles por cima dos meus ombros. Hoje sim, consigo sentir-me a Senhora. Mas não me encontro Solange, não encontro a Clara. Acho que morreu. Naquela noite do chá, aquele chá envenenado que a Senhora não se dignou a beber. Foi a partir daí que nunca mais me encontrei, Solange.
Não corras as cortinas dos teus dias, não tapes o sol que quer entrar pela janela, mesmo que isso te faça recordar aquela manhã, lembraste? Aquela do Senhor, no dia em que foram prendê-lo. Não, isto não é de modo nenhum uma carta de denúncia. Aliás, minto. É a denúncia, sim, mas do meu amor e da minha saudade por ti.
Ajuda-me, Solange. Não encontro a Clara. Parece que ficou perdida por aí.
Eramos As Criadas, eramos as Senhoras, eramos a Clara e a Solange. E hoje? O que é que somos? Nada. Não nos restou nada.
Agora, só me resta vestir aquele vestido branco e beber aquele chá naquele serviço "mais rico, no mais precioso".
"Guarda-me dentro de ti, Solange"
A tua,
Clara
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